II Seminário de Jornalismo Cultural: Apostar na reflexão para construir cidadãos críticos

Cultura

A FORMA como as matérias sobre as artes e cultura são reportadas na media foi a temática dominante na abertura, ontem, do II Seminário de Jornalismo Cultural, a decorrer até amanhã no Camões – Centro Cultural Português, em Maputo.

Sob o lema “Cultura e Arte como Factores de Desenvolvimento”, os oradores fizeram intervenções que estimulam a inclusão da crítica, destacando o papel desta editoria como espaço de construção de cidadania, preservação de identidade e abertura de novas formas de pensamento.

Na abertura do evento, David Bamo, organizador do evento, apontou que os profissionais da área não podem, sozinhos, influenciar mudanças, havendo necessidade de participação activa dos que lidam com estas matérias, daí terem sido convidados académicos, gestores culturais, fazedores das artes, entre outras personalidades.

Alexandra Pinho, directora do Camões – Centro Cultural Português, considerou que o jornalismo cultural não pode ser meramente noticioso, mas deve ser desafiador, “provocante” e que se posiciona de forma diferente de outras abordagens jornalísticas.

O embaixador da União Europeia em Moçambique, Sven Von Burgsdorff, frisou que o seminário tem o condão de permitir que se discuta a empregabilidade, na indústria cultural, de uma massa crítica que tem tendência de ir ao emprego rural e informal.

Preservar identidades

O jornalismo cultural tem de explorar questões relacionadas com a identidade e não se limitar às artes, defenderam os oradores do painel inaugural, cujo tema era “Media e Cultura: Caminhos para Desenvolvimento e maior Cidadania”.

Sob moderação do académico Aurélio Ginja, esta mesa foi composta pelo jornalista e director do “Notícias”, Júlio Manjate; jornalista e cineasta espanhola Lúcia Rubio; e o coordenador do Centro de Apoio à Informação e Comunicação Comunitária (CAICC), Lázaro Bamo.

“Precisamos encontrar outras dimensões do jornalismo cultural, em discussões sobre os nossos usos e costumes tradicionais como a circuncisão masculina e a prática do ‘kutchinga’, por exemplo”, sugere Júlio Manjate, depois de defender que as artes não podem ser uma zona de conforto do articulista.

O director editorial do “Notícias” entende que esta poderia ser uma das formas de evitar choques culturais a que os jovens acabam submetidos pela sua ignorância em relação a esses assuntos.

Com recurso a métodos e rigor jornalísticos, prosseguiu, a media pode ajudar a perceber esses fenómenos, contribuindo, desta forma, para a transmissão do legado histórico às novas gerações.

Da Espanha, Lúcia Rubio trouxe a experiência do trabalho que desenvolve em torno da representação dos afro-descendentes na media deste país europeu.

Conforme explicou, a forma como a comunidade negra aparece nos meios de comunicação era, até há alguns anos, repleta de estereótipos, como, por exemplo, a ilustração da figura do homem semelhante ao selvagem Tarzan (personagem de ficção criado pelo escritor norte-americano Edgar Rice Burroughs). De igual modo, referiu que as mulheres eram representadas como objectos meramente sexuais.

A jornalista contou que a construção de uma imagem redutora da raça negra na Espanha se estende à forma como se reporta África, em que as imagens exploram somente as áreas rurais, dando, desta forma, a perceber que a urbanização ainda constitui uma miragem no continente.

Por sua vez, Lázaro Bamo partilhou o que tem visto pelo país, trabalhando no CAICC, tendo sido nesse quadro que percebeu o potencial de um jornalismo cultural regional que se dedicaria a divulgar as actividades das comunidades.

Esta instituição está conectada a 135 estações de rádio comunitária em todo o país, cujo raio de audiência atinge cerca de 18 milhões de moçambicanos. Disse que essas estações e detêm um enorme potencial para divulgar novos talentos.

Reconhecendo tratar-se de um jornalismo apenas de anúncio de eventos, Bamo partilhou que as rádios comunitárias começam a ter acções inovadoras, dando exemplo dos distritos de Inharrime, onde a rádio reproduz contos tradicionais, e Massinga, em que transmite músicas gravadas nos seus próprios estúdios.

Aprofundar abordagens

Inaugurando as apresentações do painel que discutiu o tema “Conteúdos de arte na media: estética vs juízo”, a cantora e escritora Melita Matsinhe diz observar que a maior parte das notícias que passam nos órgãos de informação resulta da reprodução de comunicados de imprensa.

E questionou se essa forma de trabalhar constituiria motivo de orgulho, uma vez ser simplista e reduzir a acção do próprio artista.

Reconheceu, no entanto, que ao longo dos cinco anos da sua vida artística sempre teve cobertura jornalística.

O músico MC Roger (Rogério Dinis) falou da sua experiência na cultura, que começa como apresentador de programas musicais na TVM e na RTP África. E já como músico diz ter gravado 10 álbuns em 10 anos, tendo sido ainda um dos precursores do Dance Music.

Anota que os artistas, particularmente os músicos, estão a perder a sua identidade, que, a seu ver, se não está evidenciada no som ou na imagem, deve estar presente na mensagem veiculada. Reconheceu ter sido bem e mal tratado por certa media, assinalando ter havido jornais que tentaram “assassinar” o seu carácter, ao publicar notícias jocosas a seu respeito.

Rogério Dinis apelou, por isso, para que haja uma relação cordial e de respeito mútuo entre os jornalistas e as fontes de informação.

Já Eduardo Constantino, secretário-geral do Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ), defendeu a especialização dos jornalistas culturais, mesmo estando certo de que nas academias não se especializam profissionais de comunicação social, mas sim faz-se uma formação generalista, o que exige que o jornalista se capacite para melhor abordar os assuntos.

Chamou atenção para que não se imputem ao jornalista cultural responsabilidades que são de outros fóruns de abordagem, como por exemplo a crítica e o ensaio que, a seu ver, devem ser feitas por gente especializada, assumindo, porém, que a área mexe com o sentimento profundo do articulista.